A teoria das cordas: uma breve história (V.6. N.5. P.3, 2023)

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Divulgador da ciência: Ever Aldo Arroyo Montero

Acredita-se comumente que a teoria das cordas começou a partir de ideias inovadoras desenvolvidas por algum grupo de físicos que estavam tentando formular uma teoria que unifique todas as forças fundamentais da natureza, incluindo a força da gravidade. Mas a história sobre as origens dessa teoria não é bem assim, na verdade, ela teve uma origem modesta, a teoria das cordas surgiu como uma tentativa de explicar a força nuclear forte. Esta força, por exemplo, é a responsável por manter unidos os prótons e nêutrons no núcleo do átomo.

No âmbito da força nuclear forte, pelos anos de 1940, a evidência experimental indicava que os prótons e nêutrons não eram partículas fundamentais, além disso, também começaram a surgir evidências sobre a existência de outras partículas semelhantes aos prótons e nêutrons. Por exemplo, a partícula chamada de píon, considerado um primo do próton e do nêutron, foi descoberto no ano de 1947 por uma equipe da Universidade de Bristol, no Reino Unido, que teve a participação do físico brasileiro César Lattes. Todos os autores desse descobrimento, com exceção do Lattes, foram agraciados com o prêmio Nobel de física no ano de 1950. Após a descoberta do píon, em muitos laboratórios mundo afora começou uma verdadeira “caça as partículas”, assim a lista de partículas relacionadas com a força nuclear forte parecia não ter fim: prótons, nêutrons, híperons, píons, káons, rhos, etas, etc, … Então, agora a ideia era formular uma teoria que explique a origem dessas partículas e suas interações. Assim no ano de 1968 foi formulada uma teoria pelo físico Gabriele Veneziano conhecida como modelo de ressonância dual, este modelo parecia explicar a chamada amplitude de dispersão entre as partículas presentes na interação nuclear forte.

A inícios dos anos de 1970, Yoichiro Nambu, Holger Bech Nielsen, e Leonard Susskind, apresentaram uma interpretação física da amplitude de dispersão descoberta pelo Veneziano, representando as forças nucleares e as partículas presentes na interação como cordas uni-dimensionais vibrantes. Essa descrição baseada em cordas fez muitas previsões que contradizem diretamente as descobertas experimentais. Uma delas era que a teoria previa a existência de uma partícula com spin 2 sem massa, a qual não estava presente na lista de partículas descobertas, e por razões teóricas uma partícula sem massa com spin 2 não teria lugar na força nuclear forte. Além disso, pelos anos de 1973 apareceu uma nova teoria conhecida como cromodinâmica quântica (QCD), a qual explicava muito bem a força nuclear forte. 

Assim a teoria que pretendia explicar a força nuclear forte por meio de cordas foi abandonada por um certo tempo, até que nos anos de 1974 John Schwarz e Joël Scherk, e independentemente Tamiaki Yoneya, estudaram em mais detalhe o padrão de vibração da corda que correspondia àquela partícula com spin 2 sem massa, e descobriram que suas propriedades correspondiam exatamente às do gráviton, a hipotética partícula mensageira da força gravitacional, e isso foi um fato surpreendente. Schwarz e Scherk argumentaram que a teoria das cordas não conseguia explicar a força nuclear forte porque os físicos subestimaram seu escopo, a teoria poderia ser usada para ir além, por exemplo, para dar conta do problema da quantificação da gravidade.

No entanto, a teoria de cordas daquela época conhecida como teoria de cordas bosônicas tinha alguns problemas. Por exemplo, por questões de consistência matemática, a teoria tinha que ser formulada em 26 dimensões espaço-temporais, a teoria também apresentava uma certa instabilidade fundamental devido à presença de táquions; além disso, a teoria só descreveria partículas que contém apenas bósons, como o fóton ou o bóson de Higgs. Embora os bósons sejam um ingrediente essencial do Universo, eles não são seus únicos constituintes. Os elétrons, por exemplo, são partículas ditas fermiônicas. Investigar como uma teoria de cordas pode incluir férmions levou à invenção da supersimetria, a qual formalmente estuda a transformação matemática que há entre bósons e férmions. As teorias de cordas que incluem vibrações fermiônicas são conhecidas como teorias de supercordas.

Pelos anos de 1984, ficou claro que a teoria das supercordas conseguia descrever todas as partículas elementares, bem como as interações entre elas. Centenas de físicos começaram a trabalhar nessa teoria como a ideia mais promissora para unificar todas as forças fundamentais da natureza, incluindo a gravidade. Porém, as supercordas precisam ser formuladas em 10 dimensões espaço-temporais, e até onde sabemos as teorias atuais da física moderna estão formuladas em um espaço-tempo de 4 dimensões. Então a pergunta é: o que acontece com as 10 – 4 = 6 dimensões extras? Em relação a essa pergunta, nos anos de 1985, Philip Candelas, Gary Horowitz, Andrew Strominger e Edward Witten demonstraram que, as seis dimensões extras precisam ser compactadas em um tipo especial de geometria conhecida como variedade de Calabi–Yau. Assim, após esse processo de compactação das dimensões extras, o resultado seria uma teoria em 4 dimensões espaço-temporais que se assemelharia muito aos modelos de partículas fundamentais que descrevem nosso universo. Mas o problema é que existem várias maneiras diferentes de fazer a compactação, isso é devido a que existem muitas geometrias do tipo de Calabi–Yau, por exemplo, poderíamos escolher uma esfera, um toro ou toróide em 6 dimensões, etc. Diferentes escolhas resultariam em teorias diferentes, neste ponto a pergunta é: qual é o mecanismo matemático, ou o princípio físico que levaria a uma escolha correta, é dizer qual é a geometria correta do espaço compacto de tal jeito que a teoria resultante descreva muito bem ao nosso universo observável? Até a presente data, ninguém sabe ao certo a resposta, e isso é bom, porque ainda restam muitas coisas por descobrir, com certeza podemos dizer que a teoria de cordas ainda é uma teoria em desenvolvimento.

Finalmente, é importante notar que a teoria das cordas, com todas as suas estranhas consequências (dimensões extras, supersimetria, etc), é baseada mais no pensamento matemático do que na experimentação. No entanto, lembremos que existem antecedentes históricos, onde novas teorias físicas surgiram como um exercício de pensamento puramente matemático, por exemplo, este foi o caso da teoria geral da relatividade, que teve origem no pensamento de Einstein, que quase mais de um século atrás, teve ideias revolucionarias, até estranhas para sua época, mas que logo se mostraram um fato científico corroborado pela experimentação. A teoria das cordas poderia muito bem-fazer o mesmo em um futuro não muito distante.

Bibliografia

  1. Veneziano, G (1968). “Construction of a crossing-symmetric, Reggeon-behaved amplitude for linearly rising trajectories”. II Nuovo Cimento A. 57 (1): 190–197.

  1. Nambu, Y. (1970). “Quark model and the factorization of the Veneziano amplitude.” In R. Chand (ed.), Symmetries and Quark Models: Proceedings of the International Conference held at Wayne State University, Detroit, Michigan, June 18–20, 1969 (pp. 269–277). Singapore: World Scientific.

  1. Neveu, A.; Schwarz, J. (1971). “Tachyon-free dual model with a positive-intercept trajectory”. Physics Letters. 34B (6): 517–518.

  1. Candelas, P.; Horowitz, G.; Strominger, A.; Witten, E. (1985). “Vacuum configurations for superstrings”. Nuclear Physics B. 258: 46–74.

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