Entendendo o Fenômeno de uma Multidão em Pânico (V.5, N.1, P.1, 2022)

Tempo estimado de leitura: 10 minute(s)

Divulgadora da Ciência:

Maria das Graças Bruno Marietto [Lattes]

1. Introdução

Você sabe como as pessoas se comportam quando estão, em um determinado momento, no mesmo espaço físico, e ocorre um evento que as coloca em risco de vida? Como exemplo deste tipo de evento podemos citar um incêndio em um cinema ou um distúrbio em uma estação de metrô. Saber responder a esta pergunta pode ser a diferença entre você conseguir sair de uma situação que apresenta um eminente risco de vida, ou ficar no meio da multidão e sofrer as consequências de comportamentos que ocorrem em uma multidão em fuga.

A área de estudo que pode nos ajudar a responder a esta pergunta é denominada Comportamento Coletivo. De acordo com (TURNER; KILLIAN , 1957), comportamento coletivo é o conjunto de comportamentos coletivos em que as convenções sociais deixam de guiar os indivíduos, e estes decidem adotar comportamentos socialmente não aceitos ou proibidos.

Há vários tipos de comportamento coletivo, como por exemplo o comportamento de massas, o comportamento do público e o comportamento de multidões. Vamos analisar o comportamento de multidão, mais especificamente o comportamento de uma multidão em pânico, para nos auxiliar a responder a pergunta feita no começo deste artigo.

2.   Multidão em Pânico

Os participantes de uma multidão estão, em um determinado espaço de tempo, próximos fisicamente uns aos outros, e estabelecem (geralmente de maneira não consciente) ações coletivas a serem executadas pela multidão. De maneira mais específica, o pânico em multidão é um comportamento coletivo construído a partir da ocorrência de um evento que representa um risco iminente de vida para os participantes da multidão. Este comportamento coletivo objetiva levar as pessoas a fugirem e se salvarem da ameaça presente no evento. Por exemplo, em uma sala de cinema pode ocorrer um princípio de incêndio, e as pessoas em pânico podem decidir empurrar umas às outras para conseguirem sair do cinema.

O pesquisador Blumer descreve a formação de uma multidão em pânico (PARK, 1939) composta pelos estágios apresentados na Figura 1:

Figura 1: Etapas de Formação de uma Multidão em Pânico.

 

A seguir cada uma das etapas da Figura 1 são apresentadas.

Primeira Etapa: Situação Normal

Na primeira etapa não temos ainda uma multidão em pânico. O que temos é uma multidão, onde as pessoas encontram-se fisicamente próximas umas das outras em uma situação considerada normal, cujas normas e estruturas sociais estão alinhadas com o que é socialmente aceito e estabelecido. Por exemplo, as pessoas podem estar em uma sala de cinema assistindo tranquilamente a um filme.

Segunda Etapa: Agitação Social

Em um segundo momento há a ocorrência de um evento inesperado que representa uma ameaça à vida das pessoas, como por exemplo um cheiro de fumaça na sala de cinema. Este evento é denominado de evento excitante. O evento excitante chama a atenção inicialmente de algumas pessoas, e estas começam a perceber que algo de errado está ocorrendo. Esta perturbação coloca as pessoas em um estado de tensão que as pressiona a agir, visando entender o que está acontecendo. Começa aqui o estágio da agitação social onde o risco já se iniciou, mas a situação ainda se encontra sob controle.

Na etapa de agitação social as pessoas que perceberam o evento excitante (o cheiro da fumaça) buscam por informações comunicando-se com o uso de linguagem verbal e/ou não verbal. Por exemplo, uma troca de olhares apreensivos é um tipo de comunicação. Nesta busca pelo entendimento da atual situação as pessoas podem fazer perguntas como: “Há fumaça?”, “Há fogo?”, “Providências já estão sendo tomadas para apagar esta fumaça?”.

Na agitação social as pessoas da multidão se tornam mais susceptíveis aos rumores devido à sensação instalada de incerteza e insegurança. Além disso, a agitação social é um momento onde o comportamento convencional é rompido e por isto há a possibilidade da formação de algum tipo de comportamento coletivo (MCPHAIL, 1989).

 

Terceira Etapa: Milling

Movidas pela necessidade de entender a situação, as pessoas aproximam-se umas das outras e se engajam em um processo denominado milling. O termo milling vem do Inglês e designa o movimento coletivo estabelecido entre animais agrupados como, por exemplo, um rebanho. No milling os animais influenciam o movimento uns dos outros, e o resultado é um movimento coletivo sem uma direção clara.

No milling de uma multidão em pânico as pessoas também influenciam-se mutuamente, sendo que a resposta de uma pessoa pode funcionar como um estímulo para outras (TURNER; KILLIAN , 1957). O milling é importante porque direciona a atenção das pessoas para a situação externa, tirando a atenção da pessoa de si mesma e apontando essa atenção para a ação dos demais elementos da multidão. Além disso, o milling faz com que as pessoas se movimentem e comuniquem-se entre si, bem como as torna mais sensíveis e reativas umas com as outras.

Uma pessoa decide entrar no estado de milling porque considera que a situação possui um certo risco de morte. Conforme a sensação de perigo na multidão for aumentando, as pessoas podem começar a levar em consideração a necessidade de executarem ações socialmente inaceitáveis em

situações normais. Por exemplo, as pessoas podem pensar na possibilidade de empurrarem outras pessoas para poderem se movimentar no espaço físico em que se encontram.

O milling é um momento importante na formação de uma multidão em pânico, pois é um momento crucial para se evitar grandes tragédias. No milling as pessoas tendem a obedecer às ordens que lhe são dadas. Por exemplo, não correr, não empurrar, evacuar o local utilizando determinadas portas, dentre outras.

Quando o nível de permissividade das pessoas for suficiente para elas se disporem a executar ações que não são socialmente aceitas em situações de normalidade, a coletividade já se encontra no final da etapa de milling e começa a entrar no estágio de excitação coletiva.

Quarta Etapa: Excitação Coletiva

Neste contexto de perigo e incerteza as pessoas colocam menos atenção em si mesmas, direcionando mais ainda sua atenção para a multidão. Esta mudança de foco oferece condições para que haja a formação de uma representação coletiva macro (um entendimento compartilhado) do que está acontecendo. Com esta representação coletiva macro as pessoas tendem a adotar (mas ainda não adotam) algum comportamento em comum: por exemplo, correr em uma mesma direção para sair da sala de cinema.

Na etapa da excitação coletiva ainda é possível ter algum controle sobre a multidão, mas é muito mais difícil que no momento anterior, o milling.

Quinta Etapa: Contágio Social

O contágio social é uma forma intensa de excitação coletiva, que promove a disseminação rápida da representação coletiva macro, favorecendo a coesão social e a ação coletiva na multidão. Nesta etapa as ideias e sentimentos compartilhados são amplificados na medida em que uma pessoa nota que as demais sentem e pensam de maneira análoga a sua e vice-versa, gerando uma reação circular.

Um resultado emergente do contágio social é a “infecção” de pessoas pelo processo: indivíduos que inicialmente não tomaram parte da formação da multidão em pânico são atraídos e compelidos a participar, realizando o seu milling tardiamente.

Outra característica a ser destacada do contágio social é que a permissividade aumenta fortemente nas pessoas. Isto implica que neste estágio uma pessoa torna-se plenamente capaz de executar certas ações que poderiam ser enquadradas como proibidas ou inadequadas caso a situação lhe parecesse normal. Mas considerando os riscos de morte, uma pessoa pode estar pronta para gritar, correr, empurrar e pisar em outras pessoas.

Sexta Etapa: Formação do Pânico em Multidão

Esta é a etapa onde o pânico se instala na multidão, onde a crise coletiva provocada pela luta para sobreviver chega a um ápice. Sem comando e sem saber como reagir ao risco de morte, a multidão perde completamente o controle e torna-se praticamente impossível retornar o comando sobre ela.

Considerando que os participantes não compartilham expectativas tradicionais sobre a forma como devem se comportar, os resultados são incertos. É quando ocorrem as grandes tragédias.

3.   Considerações Finais

A análise das etapas da formação de uma multidão em pânico permite que medidas sejam tomadas para prever o surgimento dessas situações, bem como para apontar ações que possam minimizar perdas materiais e principalmente perdas humanas. Por exemplo, pode-se redimensionar saídas de um edifício de modo a otimizar o fluxo dos seus ocupantes, ou agregar novas informações sobre este tipo de comportamento coletivo aos treinamentos de segurança realizados pelas autoridades competentes.

Referências Bibliográficas

FRANÇA, Robson S. Simulação Multi-Agentes Modelando o Comportamento Coletivo de Pânico em Multidões. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do ABC, Santo André, 2010.

MCPHAIL, Clark. Blumer’s Theory of Collective Behavior, The Sociological Quarterly, vol. 30, n. 3, pp. 401-423, 1989.

TURNER, Ralph H; KILLIAN, Lewis M. Collective Behavior. Englewood Cliffs, N.J., Prentice- Hall, 1957.

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