As mudanças climáticas estariam mudando as formas dos animais?(V.4, N.10, P.1, 2021)
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Evolua, Pokémon!
Esse chamado faz todo sentido para a geração que cresceu com a “febre” dos pokémon, aquelas simpáticas criaturinhas que iam “evoluindo” para uma estética diferente, mais “avançada” (por exemplo, ganhavam asas, adornos, poderes etc. e se tornavam mais combativos) e que fizeram muito sucesso no final da década de 90. Isso de ir se modificando ao longo do tempo é um mote interessante para se trabalhar a evolução, mas será que toda mudança é boa? Para o Pokémon X, talvez… mas na prática, será que é por aí?
Está circulando recentemente nas mídias sociais e sites de notícias a novidade de que alguns animais estariam mudando suas formas corporais em resposta às pressões ambientais provocadas pelas mudanças climáticas. Como assim?, você deve estar se perguntando. Vamos tentar entender: segundo os autores da pesquisa que saiu neste mês na revista Trends in Ecology & Evolution, alguns animais estariam desenvolvendo apêndices externos como orelhas, bicos e pernas maiores do que o padrão, particularmente as aves. Papagaios australianos, por exemplo, um dos mais de 30 grupos de animais estudados, teriam apresentado bicos 4 a 10% maiores em média desde 1871, segundo esta pesquisa.
Quando falamos que o meio exerce uma pressão sobre os indivíduos, selecionando características que promovam a adaptação da população (conjuntos de indivíduos) a este meio ao longo das gerações por meio da transmissão de características potenciais aos descendentes, estamos falando de seleção natural (alô, Darwin!) que tenta explicar o que podemos chamar de sucesso adaptativo. Hoje, a esta teoria somam-se as bases da genética (lembranças a Mendel!) e é sabido que, conforme o maior valor adaptativo de determinadas características, maior sua frequência em uma dada população. Logo, os genes que promovem estas características são mantidos na população, tornando-a mais adaptada ao meio onde vive. Mudar faz parte dos processos evolutivos!
Voltando à nossa pergunta inicial, toda mudança é positiva? Não necessariamente! A diferença é que, não sendo algo que favoreça a adaptação de um dado organismo (e sendo particularmente algo negativo neste sentido), ela não se fixará naquela população. Retomando a pesquisa, os autores envolvidos no estudo não sabem dizer se as mudanças detectadas seriam benéficas ou não, mas como estas mudanças estão acontecendo em um curto espaço de tempo, elas podem, sim, ser vistas como alarmantes. Além disso, também não se pode acusar o aquecimento global como causa de tais mudanças, embora seja este um “argumento convincente”, segundo os autores da pesquisa. Afinal, esta alteração de área de superfície em relação ao volume, promovendo, em animais de climas quentes, um melhor controle da temperatura corpórea (apêndices maiores em corpos menores) pode ser uma resposta dos animais a um aumento da temperatura do globo, e faz todo sentido: a retenção de calor em corpos pequenos é menor, e o aumento de cauda, bicos e asas ajuda a resfriar o corpo em ambientes mais quentes, auxiliando na regulação da temperatura corporal interna.
Já reparou no tamanho das orelhas dos elefantes africanos, por exemplo, e como de vez em quando eles sacodem as suas imensas orelhas? Esta ação serve para dissipar o calor, já que, com isso, o sangue é bombeado para as orelhas. Quem observou primeiro essa tendência a membros maiores em animais de clima quente quando comparados a animais de clima frio foi Joel Allen em 1870, zoólogo americano, e, por esta razão, este padrão ficou conhecido como Regra de Allen. Agora até começamos a entender a força do argumento que relaciona a mudança do formato do corpo dos animais com as mudanças climáticas, certo? E independente se esta relação pode de fato ser estabelecida, o que sabemos é que o aquecimento global traz consequências para todos os organismos vivos, criando novas pressões seletivas para a adaptação destes organismos ao contexto ambiental onde estão inseridos. E devemos sempre lembrar que evolução não é melhora, mas sim mudança, e nem toda mudança é positiva. Assim, mudar pode não ser algo necessariamente benéfico, o que pode impactar as populações de formas que ainda não sabemos predizer.
Para saber mais:
https://www.cell.com/trends/ecology-evolution/fulltext/S0169-5347(21)00197-X?_returnURL=https%3A%2F%2Flinkinghub.elsevier.com%2Fretrieve%2Fpii%2FS016953472100197X%3Fshowall%3Dtrue (link do artigo em inglês)