Isolamento social e a Saúde planetária (V.3, N.4, P.11, 2020)

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Por Angela Terumi Fushita e Ananda de Oliveira Gonçalves Antenor

Vamos retornar às comemorações do Natal de 2019. Sinceramente, alguém, naquele momento, poderia imaginar tudo o que estamos vivenciando nesses quatro primeiros meses do ano de 2020? Por causa da pandemia da COVID-19, passamos de milhões de pessoas comemorando o Carnaval no final de fevereiro para ruas praticamente desertas após cerca de um mês.

Um dos alertas da pandemia de COVID-19 e que repercutiu mundialmente foi o lockdown isolamento social total) na cidade Hubei, província de Wuhan, China, iniciado em 23 de janeiro de 2020. Nesse dia, no Brasil, tivemos notícias sobre a confusão das notas do ENEM, sobre o início do período letivo nas escolas e universidades e sobre os preparativos para o Carnaval. Já havia a preocupação sobre o contágio do novo coronavírus, mas com uma dose de ceticismo, pois as pessoas achavam que o problema afetaria somente a China.

Em 3 de abril de 2020, ou seja, 94 dias após o lockdown ser implementado pela primeira vez como uma das estratégias para reduzir a disseminação do novo coronavírus em uma cidade na China, o isolamento social (vertical ou horizontal) expandiu-se globalmente, afetando mais de metade da população mundial (mais 3,9 bilhões de pessoas). Estamos acompanhando como as ruas das cidades estão vazias em diversos países, em uma aproximação às cidades fantasmas de filmes de ficção científica. Ao mesmo tempo, é recorrente escutarmos o apelo “sem o isolamento social, haverá colapso do sistema”, “Salvem o sistema de saúde!”.

Nesse momento, o apelo é pelo sistema de saúde pois “se a demanda por leitos hospitalares em decorrência da COVID-19 for maior do que a capacidade do sistema de saúde, em termos de disponibilidade de leitos, o sistema irá entrar em colapso e as consequências da pandemia serão devastadoras” em termos de letalidade, como é observado na Itália, na Espanha, nos Estados Unidos e, talvez, no Brasil, quando esse texto estiver sendo publicado.

Porém, em meio à pandemia, também há um outro sistema que está entrando em colapso: o nosso (eco)sistema planeta Terra!

Façamos um exercício: vamos trocar “leitos hospitalares” por “recursos naturais”, “Covid-19” e “‘pandemia” por “atividades antrópicas” (aquelas decorrentes da ação humana) e “sistema de saúde” por “Planeta Terra”. A frase ficaria mais ou menos assim: “se a demanda por recursos naturais em decorrência das atividades antrópicas for maior do que a capacidade do Planeta Terra em termos de disponibilidade de recursos, o sistema irá entrar em colapso e as consequências das atividades antrópicas serão devastadoras”.

Diante desse cenário “devastadoras”, você deve estar se perguntando: qual é o limite seguro para o sistema não entrar em colapso?

Se considerarmos o sistema de saúde, o limite está bem definido pelo número de leitos em hospitais e recursos humanos (agentes de saúde) para atender essa demanda que cresce exponencialmente. Porém, ao falarmos sobre o Planeta Terra, a equação é um pouco mais complicada. Trabalhos científicos e institutos de pesquisa estão tentando responder a essa questão. Um desses trabalhos foi publicado em 2009 e abordou a estrutura conceitual dos nove limites planetários (planetary boundaries), estabelecendo o limite seguro e saudável para a manutenção da humanidade e que está relacionado à capacidade de suporte do planeta em termos de nove processos ecossistêmicos.

Tanto para o sistema de saúde, quanto para o sistema Planeta Terra, se ultrapassarmos a sua capacidade (limite crítico), comprometemos a integridade dos processos. O lockdown foi adotado em uma tentativa de desacelerar o aumento dos casos de COVID-19 ao longo do tempo, de forma que eles não ultrapassem a capacidade do sistema de saúde em absorver a demanda.

Sem dúvida, a pandemia de COVID-19 e o isolamento social trouxeram muitos efeitos no cotidiano das pessoas, das empresas, das cidades. E ela também causou efeitos no planeta Terra! O lockdown desacelerou (mesmo que momentaneamente) alguns impactos negativos da humanidade sobre o ecossistema Planeta Terra! E podemos observar isso por meio do monitoramento dos poluentes atmosféricos.

A plataforma Europeia “Severe Weather Europe” divulgou dados de monitoramento dos níveis de alguns gases atmosféricos, como o dióxido de carbono (CO2) e o dióxido de nitrogênio (NO2), em escala regional e global, obtidos por meio de imagens do satélite Sentinel 5-P, que é dedicado ao monitoramento da poluição atmosférica no mundo. Esses gases estão associados, respectivamente, ao efeito estufa e à poluição atmosférica. Especificamente, o NO2 é um poluente primário, ou seja, que resulta das atividades humanas e de fenômenos naturais dispersos no ar, diretamente das fontes para o ambiente e está relacionado, principalmente, à queima de combustíveis fósseis em veículos motorizados (49% do total), em usinas termelétricas e em indústrias (49%), conforme dados da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.

Em 22 de março de 2020, os níveis globais de CO2 pararam de subir temporariamente, provavelmente devido à desaceleração do mundo que aconteceu por causa das medidas de isolamento para conter a pandemia do novo coronavírus.

Na China, entre dezembro de 2019 e a primeira quinzena de março de 2020, houve o declínio da poluição atmosférica, utilizando-se como parâmetro as taxas de emissão de dióxido de nitrogênio1, que diminuíram significativamente. Tal declínio foi associado ao isolamento social e à diminuição das atividades industriais. Entretanto, com o fim do lockwdown, essas taxas estão aumentando.

No início do mês de março, algo parecido aconteceu na Itália. Quando as autoridades do país determinaram o lockwdown, ele foi acompanhado pelo declínio significativo nas emissões de dióxido de nitrogênio (NO2), especialmente no norte da Itália.

Figura 1: Emissão de NO2 (em µmol/m²) em dezembro de 2019 (antes do isolamento), em fevereiro de 2020 (durante o isolamento) e em março de 2020 (depois do isolamento), para um recorte da China, na região da província de Wuhan. Valores maiores estão associados a cores quentes (vermelho e alaranjado) e valores menores de NO2, à cores frias. (fonte: Severe Weather Europe, 2020).

 

Desde 20 de março de 2020, as 29 estações da rede de monitoramento de qualidade do ar localizadas na região metropolitana indicaram que a qualidade do ar é BOA para os poluentes primários. Não podemos afirmar que esse fato está diretamente associado ao período de isolamento social, entretanto, a menor circulação de pessoas e veículos nas cidades e a evidente diminuição de engarrafamentos, contribui para a redução na emissão de poluentes atmosféricos.

Em uma busca rápida por notícias sobre os impactos do isolamento social é possível encontrar, além dos dados sobre o contágio e sobre a economia, informações de institutos de pesquisa e órgãos governamentais e não governamentais que observaram, por exemplo, a diminuição da poluição atmosférica nas cidades, melhora na qualidade do ambiente aquático e o registro de animais silvestres em cidades ou próximos às áreas urbanas, mesmo que pontualmente

Mas, por que essa informação seria relevante para você? Podemos pontuar dois motivos:

  • Ela mostra como as atividades humanas têm um grande impacto nos ecossistemas e, uma vez que desaceleramos nosso ritmo, os ecossistemas conseguem ter mecanismos para se recuperar naturalmente, mas, se excedermos a capacidade suporte do planeta, podemos não ter um regresso ao ponto que conhecemos hoje; 

 

  • Se, depois da pandemia de COVID-19 e do lockdown, nós não mudarmos a nossa forma de pensar e agir, ou seja, continuarmos impactando o planeta, provavelmente, novas pandemias como a COVID-19 serão mais frequentes na próxima década e, portanto, irão ser a nova regra e não uma exceção.

Esse período em que estamos em isolamento social é um momento em que estamos cuidando de nossa saúde e também estamos contribuindo para um planeta melhor, desacelerando a crise mundial que estamos vivenciando e que pode levar ao colapso do sistema de saúde e do sistema Planeta Terra.

Nossa mensagem é #FiquemEmCasa, pois dessa forma estamos contribuindo para um mundo melhor.#NósPeloBemComum.

 

 

Referências:
CETESB. CETESB constata diminuição da poluição na Grande São Paulo durante a quarentena do coronavírus, 30/03/2020. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/blog/2020/03/30/cetesb-constata-diminuicao-da-poluicao-na-grande-sao-paulo-durante-a-quarentena-do-coronavirus/, acesso em 03 de abril de 2020.
LIPSITCH, Marc; SWERDLOW, David L.; FINELLI, Lyn. Defining the epidemiology of Covid-19—studies needed. New England Journal of Medicine, 2020.
O’NEILL, Daniel W. et al. A good life for all within planetary boundaries. Nature sustainability, v. 1, n. 2, p. 88-95, 2018.
RATCLIFFE, R. Teargas, beatings and bleach: the most extreme Covid-19 lockdown controls around the worl. The Guardian, Bangkok: 01 de abril de 2020. Disponível em https://www.theguardian.com/global-development/2020/apr/01/extreme-coronavirus-lockdown-controls-raise-fears-for-worlds-poorest , acesso em 01 de abril de 2020.
ROCKSTRÖM, Johan et al. Planetary boundaries: exploring the safe operating space for humanity. Ecology and society, v. 14, n. 2, 2009.
SANDFORD, Alasdair. Coronavirus: Half of humanity now on lockdown as 90 countries call for confinement. Euronews: Disponível em https://www.euronews.com/2020/04/02/coronavirus-in-europe-spain-s-death-toll-hits-10-000-after-record-950-new-deaths-in-24-hours. Acesso em 03 de abril de 2020
SEVERE WEATHER EUROPE. New data of #COVID-19 effects on the significant decline of nitrogen dioxide over China, now again increasing as lockdown is overs. Disponível em https://www.severe-weather.eu/global-weather/nitrogen-dioxide-emissions-china-mk/?fbclid=IwAR1vWro9M85hNFnkpScB-ybymzVcMPpTMv0E7aVVsizWOP9BlyeeoSZqOr8, acesso em 01 de abril de 2020.
SEVERE WEATHER EUROPE.*COVID-19 vs Climate* Global CO2 levels have temporarily stopped rising, likely due to the industry slowdown as the world battles the new Coronavirus. Disponível em https://www.severe-weather.eu/global-weather/nitrogen-dioxide-emissions-china-mk/?fbclid=IwAR1vWro9M85hNFnkpScB-ybymzVcMPpTMv0E7aVVsizWOP9BlyeeoSZqOr8, acesso em 01 de abril de 2020

 

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