A COP30 e o futuro da Casa Comum: O papel do Brasil na liderança da transição energética global (V.8, N.10, P.06, 2025)
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O conceito de Casa Comum, popularizado pela encíclica Laudato Si’ (FRANCISCO, 2015) resgata a ideia original grega de “oikos”, que significa “casa” ou “ambiente”. A economia, palavra originada de “oikonomia”, nos remete à gestão cuidadosa dos recursos de uma casa, enquanto a ecologia, com raízes em “oikos logos”, estuda as relações entre os seres vivos e seu ambiente, logo ambas possuem uma relação. Essas conexões etimológicas são fundamentais para compreender o desafio contemporâneo do decênio decisivo para o planeta.
Na COP30, que será realizada em Belém, Brasil, em 2025, esses princípios estarão subentendidos nas discussões sobre como enfrentar a crise climática sem comprometer a sustentabilidade ambiental, econômica e social (PINTO, 2025). O futuro da Casa Comum depende de soluções integradas para diminuir a pegada ecológica da humanidade e que equilibrem desenvolvimento econômico, preservação ambiental e justiça social (WACKERNAGEL, 1996). Assim, a Amazônia que será o palco central da 30ª conferência esse ano traz à tona todas as consequências catastróficas que a floresta amazônica vem sofrendo pela busca desenfreada pelo crescimento econômico (FRANCISCO, 2020).
O capitalismo, enquanto sistema econômico centrado no crescimento contínuo e na exploração dos recursos naturais, desempenha um papel central no colapso ambiental que testemunhamos atualmente (MARQUES, 2019. Assim, evidenciando a urgência de repensar modelos de sociedade que sustentem tanto a justiça social quanto a harmonia com a natureza (KRENAK, 2022).
CONTEXTO DE CRISE CLIMÁTICA: Colapso ambiental causado pelo sistema econômico do século XXI
O contexto atual de crise climática é profundamente marcado pelo impacto humano sobre o planeta, fenômeno que definiu a era geológica conhecida como antropoceno (OLIVEIRA, 2024). Este período é caracterizado pela intensificação das atividades humanas, especialmente desde a Revolução Industrial, que resultaram em mudanças irreversíveis nos sistemas naturais da terra.
Certamente, o colapso ambiental não é apenas uma ameaça futura, mas uma realidade presente que já está causando impactos devastadores em várias regiões do mundo. Um exemplo marcante dessa crise foi observado no início de 2024, quando o estado do Rio Grande do Sul (RS), no Brasil, enfrentou enchentes catastróficas que expuseram a vulnerabilidade das comunidades diante das mudanças climáticas. As chuvas intensas, embora causada pelo fenômeno natural El Niño, é também resultado de padrões climáticos alterados pela humanidade que provocaram inundações sem precedentes, desalojando milhares de pessoas, destruindo infraestruturas essenciais e causando prejuízos econômicos significativos (BBC, 2024).
A imagem evidencia como o caso das enchentes no RS em 2024 reforça a necessidade de agir urgentemente, antes que outros desastres de proporções ainda maiores se tornem inevitáveis, comprometendo ainda mais a capacidade da Terra de sustentar a vida humana (FRANCISCO, 2015). Para enfrentar essa realidade, é necessário adotar abordagens integradas que combinem ciência, política e ação comunitária (RAWORTH, 2019). Investimentos em infraestrutura resiliente, sistemas de alerta precoce e programas de alfabetização ambiental são passos cruciais para reduzir os impactos das catástrofes naturais (ou para se adaptar a eles).
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA: O Brasil como modelo na transição para uma economia sustentável
Nesse contexto, a transição energética surge como um dos pilares fundamentais para alcançar esse equilíbrio (GREENPACE, 2008), oferecendo soluções práticas para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e promover fontes renováveis de energia. A COP30 representa uma oportunidade única para debater e implementar estratégias globais que acelerem essa transformação, colocando o tema “Nosso Futuro Comum” do relatório de Brundtland (ONU, 1987) novamente no centro das discussões.
A comparação do Brasil com as grandes potências mundiais e o mundo confirma que a matriz energética brasileira é marcada por uma participação expressiva de fontes renováveis, com destaque para a energia hidrelétrica, que desempenha um papel essencial na geração de eletricidade (LOPES, 2018). Em contraste, a matriz energética mundial e de outras grandes potências é predominantemente dependente de carvão e gás, com uma contribuição menor de fontes renováveis. No mundo, o uso de combustíveis fósseis continua sendo amplamente utilizado no transporte e na produção industrial, enquanto no Brasil observa-se uma maior diversificação energética.
No setor industrial brasileiro, verifica-se uma combinação diversificada de fontes energéticas, incluindo biomassa e o hidrogênio verde (H2V) (SANTOS, 2024). Já no cenário global, a indústria tende a depender mais intensamente de combustíveis fósseis, como carvão e gás natural, reforçando a diferença entre o perfil energético brasileiro e o mundial.
Ainda em comparação com outros países e o mundo, a figura a seguir apresenta informações relevantes sobre a participação das energias renováveis na produção de eletricidade no planeta terra em 2024, destacando o Brasil como um dos países com maior inserção de fontes limpas em sua matriz energética.

Ao analisar a figura, vê-se que o país supera muitas outras nações, inclusive aquelas de renda elevada, no que diz respeito à proporção de energias renováveis em sua oferta energética. Por exemplo, a China possui 34% e os EUA possui 24% de eletricidade de fontes renováveis e, em contrapartida, a matriz energética brasileira possui 88%, sendo mundialmente reconhecida por sua diversidade e relativa limpeza em comparação com outras nações, graças aos investimentos crescentes em fontes como energia eólica e solar, o que levou o país a formalizar a Política Nacional sobre Mudança Climática (PNMC), além de assumir o compromisso de neutralidade climática em 2050 (PINTO, 2025). Desse modo, evidencia-se o potencial brasileiro de assumir um protagonismo na COP30, mostrando que é possível existir um modo de desenvolvimento econômico alinhado à preservação de biodiversidade e com pouca emissão de gases de efeito estufa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A esperança de um futuro sustentável para a nossa Casa Comum
O modelo capitalista contemporâneo, baseado no crescimento infinito e na exploração desenfreada dos recursos naturais, revelou-se insustentável diante das crises climáticas e sociais que assolam o planeta (MARQUES, 2019). As crises ambientais de hoje não são apenas os problemas naturais extremos, mas também são as questões éticas, econômicas e espirituais que exigem uma mudança radical na forma como nos relacionamos com o mundo. Desse modo, diante do problema exposto da humanidade que corre o risco de sobrevivência, a análise econômica deve possuir outro olhar sobre a natureza e meio ambiente, tal como bem observou Kate Raworth na sua obra Economia Donut (2019):
Digam adeus à economia como máquina e abracem a economia como organismo. Chegou a hora de os economistas fazerem também uma mudança metafórica de carreira: jogar fora o capacete e a chave-inglesa do engenheiro e pegar luvas de jardinagem e tesoura de poda.
Olhando para o futuro, o Brasil tem a chance de se tornar um exemplo global de como é possível conciliar progresso econômico com responsabilidade ambiental, pois com sua vasta biodiversidade e matriz energética predominantemente renovável, possui um potencial único para liderar globalmente o movimento rumo a um modelo de desenvolvimento sustentável (PINTO, 2025). A diversificação de fontes como energia hidrelétrica, solar, eólica e biomassa demonstra que é possível reduzir a dependência de combustíveis fósseis sem comprometer o crescimento econômico (LOPES, 2018).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DALY, H.; FARLEY, J.. ECONOMIA ECOLÓGICA. Editora ANNABLUME, 2017.
FRANCISCO, Papa. LAUDATO SI’: Sobre o cuidado da Casa Comum. 2015.
GEORGESCU-ROEGEN, N. O DECRESCIMENTO: Entropia, Ecologia, Economia. Tradução: Maria José Perillo Isaac. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012. (Tradução feita a partir da versão francesa La décroissance : Entropie, Écologie, Économie)
GREENPEACE. [R]EVOLUÇÃO ENERGÉTICA: A caminho do desenvolvimento limpo. 2010.
KRENAK, Ailton. IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2020.
MARQUES, Luiz. CAPITALISMO E COLAPSO AMBIENTAL. 3ª ed. Editora Unicamp, 2019.
MARQUES, Luiz. O DECÊNIO DECISIVO: Propostas para uma política de sobrevivência. 2ª ed. Editora Elefante. 2025.
ONU. NOSSO FUTURO COMUM, 1987. Disponível em: Brundtland Report, 1987.
SCHUMACHER, Ernst Friedrich. O GRANDE NEGÓCIO É SER PEQUENO: estudos sobre uma economia em que as pessoas são importantes. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora WMF, 2024.
VEIGA, J. E. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: que bicho é esse? Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
VEIGA, J.E. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: o desafio do século XXI. (2006).
WACKERNAGEL, Mathis; REES, William. OUR ECOLOGICAL FOOTPRINT: reducing human impact on the Earth. Gabriola Island: New Society Publishers, 1996.
YOUNG, C. E. F.; STEFFEN, P. G. ENERGIA E MEIO AMBIENTE: um impasse evitável. Boletim Infopetro, v. 7, p. 4-5, 2006.
YOUNG, C. E. F. DEMANDA EFETIVA E SUSTENTABILIDADE: Green New Deal como política econômica verde. Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, v. 42, p. 18-29, 2023.
